Corpos velhos – para que servem?

À princípio, a ideia era organizar o acervo de Luis Arrieta. No texto do projeto, havia as frases “pessoas que têm mais experiência”, “pessoas com mais tempo na dança” e, então, ele pensou que deveria ser “velho” mesmo. Por que evitar essa palavra? Do seu acervo para a reunião de bailarinos velhos foi um passo. Um passo e um espetáculo magnífico: Corpos velhos – para que servem?.

Corpos velhos – para que servem? Foto: Silvia Machado/Divulgação.

A primeira apresentação aconteceu na Bienal Sesc de Dança 2023, em outubro passado. Depois aconteceram mais algumas apresentações, dentre elas uma lotada no Theatro Municipal de São Paulo, um prêmio APCA 2023 pelo caminho, e chegamos a duas apresentações no Teatro Paulo Eiró, nos dias 13 e 14 de abril, pelo Abril pra Dança. No domingo, eu estava na plateia.

Em fevereiro de 2010, eu escrevi o breve texto “Do que aprendi com o flamenco”. Eu disse que a grande estrela é a mais experiente e que eu gostaria de ver isso no ballet clássico. O texto termina com a frase “Não há, no mundo, virtuosismo que substitua a experiência”. Catorze anos depois, eu vi isso acontecer diante dos meus olhos.

Nove artistas da dança: Célia Gouvêa, Décio Otero, Luis Arrieta, Lumena Macedo, Marika Gidali, Neyde Rossi, Mônica Mion, Iracity Cardoso e Yoko Okada. A história, a memória, o legado, tudo isso reunido no palco. Cada qual dançando no seu espaço, algumas interações em determinados momentos, músicas sobrepostas, uma iluminação poderosa, com a força e a beleza à altura do que estamos vendo, tudo costurado sem sobras nem faltas. Para fechar, uma plateia encantada e emocionada. Pessoas chorando era a coisa mais comum, eu me desmanchei do começo ao fim. Nos agradecimentos, o teatro em polvorosa, aplausos e gritos efusivos. Um reconhecimento absolutamente merecido.

A soma da idade de todas essas pessoas ultrapassa os 700 anos. Vocês têm ideia da força que isso tem? Especialmente em um mundo onde a juventude é vista como uma bênção, como se ela também não tivesse os dias contados. Ainda mais na dança, em que somos velhos antes mesmo da velhice ser uma realidade.

Assistir a Corpos Velhos – para que servem? foi uma das experiências mais belas da minha vida. Ao fim do espetáculo, eu fui falar com cada um deles. Abracei, peguei na mão, elogiei o quanto podia. Voltei para casa com um sentimento que levarei comigo pelo resto dos meus dias. A sensação de “é isso”, sabe? Dança é isso. 

No fim do mês haverá mais três apresentações, no Centro Cultural São Paulo: 26, 27 e 28 de abril, sexta, sábado e domingo, às 19h. Os ingressos online já estão esgotados, mas 30% deles são reservados na bilheteria. Mais informações, aqui.

Espero que o sucesso e a relevância de Corpos velhos – para que servem? seja um ponto de virada na dança. É essa arte e essa beleza que precisamos mais do que nunca.

Como assim, de tênis?

Desde o início do blog, eu já publiquei vários vídeos de coreografias dançadas na meia-ponta e escrevi um texto sobre o meu amor por ela. Foi a minha maneira de mostrar como é possível dançar ballet clássico sem, necessariamente, usar sapatilha de ponta. Às vezes, nós nos esquecemos que a ponta é uma ferramenta, ela não “dança sozinha”. Parece óbvio, mas esquecemos disso dia sim, outro também.

Este vídeo ilustra muito bem essa ideia: para a estreia mundial de In the Countenance of Kings (2016), de Justin Peck, para o San Francisco Ballet, foi realizado um curta-metragem lindo, em que, em sonho, uma bailarina dança entre tantos bailarinos usando tênis. Prestem atenção na beleza dos movimentos e como a técnica está ali o tempo todo.

Justin Peck’s “In the Coutenance of Kings” with music by Sufjan Stevens, 24 de mar. de 2016.

“Ah, mas então a coreografia é feita toda de tênis?” Não é não, ela é na sapatilha de ponta mesmo! Assistam a esse trecho, também dançado no vídeo, em apresentação do Pacific Northwest Ballet, em 2019.

Justin Peck’s In the Countenance of Kings – excerpt, 15 de mar. de 2019.

O ponto não é questionar se um é melhor do que o outro – o que soaria descabido! – mas pensar nas possibilidades. Essa é a grande graça da coisa!

A dança na televisão

O quadro “Dança dos Famosos” estreou em 2005, no programa Domingão do Faustão, inspirado no programa Strictly Come Dancing. A premissa é simples: pessoas famosas em uma competição de dança de salão. Quem quiser ver a lista de participações em todas as edições, aqui.

O júri é dividido em júri artístico, geralmente artistas da emissora ou de outros lugares, e júri técnico, composto por profissionais renomados na área da dança. Na edição mais recente, o júri técnico foi maior que o júri artístico ‒ três a dois ‒ e passou a ser fixo. A meu ver, isso deu mais credibilidade à competição.

Quando eu comecei a fazer aulas de dança, em 2007, o “Dança dos Famosos” já existia. Eu via uma apresentação ou outra, mas, por incrível que pareça, a edição de 2022 foi a primeira que assisti do começo ao fim. Não era preconceito, tampouco desdém, só me incomodava um pouco o peso dado ao júri artístico em detrimento do técnico. Além disso, as notas eram quase sempre altas, mesmo quando claramente não era merecido. Cheguei a escrever sobre o meu descontentamento em 2010, no post “Das críticas“. Com a mudança, Carlinhos de Jesus, Ana Botafogo e Zebrinha (José Carlos Arandiba) me ganharam no primeiro dia. (Importante ressaltar, Claudia Mota e Renato Vieira chegaram a substituir Ana Botafogo e Zebrinha em um dia, respectivamente, por motivos de saúde. Ambos, igualmente profissionais reconhecidos.)

Não vou comentar toda a edição porque esse não é o objetivo. Vou falar basicamente de duas apresentações ‒ da semifinal e da final ‒ e minha opinião sobre esse tipo de programa na televisão.

A semifinal aconteceu no dia 26 de junho e ganhei um presente de aniversário: a modalidade escolhida foi dança contemporânea. Quem quiser assistir a trechos das apresentações, clique nos nomes de Sérgio Menezes, Vitória Strada, Vitão e Ana Furtado. A minha preferida foi a do Sérgio Menezes, mas as de Vitória Strada e Vitão foram de nível profissional. Só uma coisa me incomodou em algumas apresentações, as caras e boas, acho desnecessário.

A final aconteceu no último domingo, 3 de julho, e participaram Vitória Strada, Vitão e Ana Furtado com as modalidades valsa e samba. Vocês podem assistir a todas as apresentações aqui. A meu ver, Sérgio Menezes deveria estar na final juntamente com Vitória Strada e Vitão, mas quem sou eu na fila do pão.

Preciso confessar: durante a apresentação de Vitória Strada e Wagner Santos, seu professor, dançando valsa, eu chorei. Fiquei muito emocionada, tanto pela beleza quanto pela qualidade artística. Não à toa, ela ganhou sete notas 10: duas do júri artístico, três do júri técnico, uma da plateia e uma dos telespectadores que votaram em casa. Quem quiser ir direto para a valsa da Vitória, clique aqui.

No fim das contas, quem ganhou foi ela, Vitória Strada, e seu professor, Wagner Santos.

A MINHA OPINIÃO

Competições de dança não são novidade na TV ‒ quem aqui não conhece o So You Think You Can Dance e sua versão brasileira, o Se Ela Dança, Eu Danço? ‒ mas por que eu gosto especialmente da Dança dos Famosos? O seu alcance, em vários sentidos.

Primeiro, pela audiência. Talvez você não seja da turma que assiste TV aos domingos à tarde, mas uma parte da população brasileira, que tem na televisão sua única distração, sim. É a dança chegando à casa das pessoas e, para mim, só esse motivo seria o suficiente.

Segundo, pela diversidade dos participantes. Idades, corpos, gêneros, pessoas muito diferentes entre si participaram da competição, não só, algumas foram as vencedoras. Essa é uma maneira de diminuir preconceitos, abrir a mente das pessoas e mostrar que a dança não é reduto de mulheres jovens e magras.

Terceiro, pela questão técnica. De maneira geral, artistas não são vistos como profissionais, tampouco a arte é vista como um lugar de estudo e trabalho. Quando vemos Carlinhos de Jesus e Ana Botafogo, que furaram a bolha e são conhecidos nacionalmente, e Zebrinha, reconhecido no meio e conhecido agora, além de Claudia Mota e Renato Viera apontando questões técnicas e questionando escolhas artísticas eles estão dando aula para nós. Sem falar nas diferentes modalidades de dança com suas especificações (movimentos, música e figurino) e nas professoras e professores responsáveis pela dança acontecer. As pessoas começam a ver que aquela dancinha no churrasco é outra coisa.

Ao mesmo tempo, eles ressaltam que a dança é para todas as pessoas. Ou seja, eles conseguem mostrar que sim, a dança é para todo mundo; não, a dança não é qualquer coisa. Para quem dança, para quem faz aulas de dança, para quem tem a dança no dia a dia, isso parece algo sem importância. Parece, mas isso tem uma importância gigantesca para a valorização da dança.

Quarto, pela vontade de dançar. Já ouvi diversas vezes que, no período de duração do quadro, aumenta a procura por aulas de dança. Quem trabalha em escolas de dança, é isso mesmo? O programa influenciar alguém, de tal maneira, a querer dançar, querer fazer aulas, querer ter a dança na sua vida, nossa, é uma vitória imensa!

Uma coisa é dizer “a dança é para todo mundo”, outra coisa é realmente ver isso acontecer. Uma coisa é querer popularizar a dança, outra coisa é apoiar a sua popularização. A dança não deve existir apenas nos teatros ou nas salas de ensaio, ela deve estar em todos os lugares. No palco, na praça, na rua, na televisão, na internet, na vida. Só assim ela realmente será para todo mundo.