As minhas considerações sobre a “Volta ao mundo”

Há um mês, eu publiquei o post “Volta ao mundo” em que listei companhias de dança dos cinco continentes. Deixei as minhas considerações para depois e é melhor fechar o assunto antes do ano terminar.

Só para relembrar, segui apenas um critério de seleção: para constar na lista, a companhia deveria ter remontado, pelo menos, um ballet de repertório. Ao todo, selecionei 58 países e uma ou duas companhias por país.

Durante uma semana, pesquisei companhias de todos os cantos. No começo, fiquei absolutamente encantada. Em países que eu sequer imaginava, lá estavam “Dom Quixote”, “O lago dos cisnes”, “Giselle”, “Coppélia”… Quando eu estava no vigésimo país, e já tinha visto “Dom Quixote” de várias nacionalidades, tive um estalo. Qual a graça? Sim, porque era sempre a mesma coisa, não existia identidade nessas montagens. Todas eram absolutamente iguais. As diferenças existiam apenas na grandeza da montagem, na qualidade dos figurinos, na limpeza técnica dos bailarinos. No restante, era receita de bolo, sempre do mesmo jeito.

Assim, meus olhos se voltaram a outras coisas. Outras companhias, outros movimentos, outras maneiras de olhar a dança. Na África, quase não encontrei países que possuem companhias de dança clássica e isso foi um alento. Havia companhias voltadas às danças populares e era lindo de ver! Em alguns países da Europa, algumas companhias de dança contemporânea tinham um trabalho bem mais interessante. Em vários outros países, as principais companhias mesclavam a dança clássica e as danças populares. No fim, o que aconteceu? Eu não tinha mais paciência para ver ballet clássico. “Dom Quixote” de novo? Não, obrigada.

Eu sei que técnica clássica é igual no mundo inteiro. Eu sei que repertórios seguem um padrão. Mas não é preciso abdicar da sua identidade para montar um repertório. Para mim, seria interessante cada companhia ter o seu olhar para aquela história. Por essa razão, eu disse que o ballet clássico nunca mais será o mesmo para mim. Porque essa padronização mundial tirou um pouco do meu encanto.

Isso refletirá no blog daqui em diante? Sem dúvida. O ballet clássico deixará essas páginas? De jeito nenhum. Como conciliarei o meu amor pelo ballet e o meu desencanto com o sempre-do-mesmo-jeito? Vocês só saberão no primeiro post do ano que vem.

5 comentários sobre “As minhas considerações sobre a “Volta ao mundo”

  1. um adendo.. louca para ver a montagem do Acosta, vi uns trechos no canal do Royal e amei. Ele arrasa.

  2. Eu sinto falta de uma companhia que faca ballet de repertorio em SP, ainda que concorde com o que voce fale. Acho que tem que ter o novo mas tambem o classico. Posso assistir mil vezes alguns ballets e ainda vou querer assistir mais mil vezes.

  3. Então, essa uma grande questão pra mim também. E eu ainda não sei como lidar com isso.

    Vou contar uma história: meu marido é da dança de salão e vivenciou uma grande questionamento em relação a esse “mais do mesmo”. Ele dança samba de gafieira muito, mas muito bem, mas um dia ele me disse: “Eu estou cansado. São sempre os mesmos passos, a mesma coisa”. Na época eu não entendi muito bem porque eu ficava admirada com a dança bonita dele, mas hoje consigo ver melhor e entender um pouco o que ele quis dizer. Ele descobriu o lindy hop, uma dança que tem sim seus passos, sua característica, mas que permite muita liberdade criativa. Ele se encontrou por lá, até me levou junto, e hoje se sente feliz dançando. Inclusive dançar lindy hop fez com que ele olhasse as outras danças de salão com outros olhos: hoje eu o vejo dançando bolero, samba, tango de um jeito diferente. Ele ficou mais espontâneo. Ainda são os mesmos passos, mas a energia é outra. Ele se conecta mais com a música, improvisa, quebra movimentos, faz coisas que não são normalmente feitas naquela dança específica. O resultado é ótimo. Mas tem seus problemas: nem todo mundo gosta, nem todo mundo entende. Várias conduzidas (um termo melhor pro antigo “dama” na dança de salão), ficam confusas, não sabem o que fazer, acham chato. Paciência. Eu vejo que ele se reconciliou com a dança ou pelo menos está recomeçando a fazê-lo (de vez em quando os antigos moldes ainda aparecem).

    Daí ele me fala que ballet clássico parece um pouco com exército. Que molda do corpo, o restringe. Eu ficava muito mas muito p da vida quando ele falava isso. Como assim? Ballet é arte não é exército! Ele gosta de ballet, assiste vídeos comigo até, mas dizia que era necessário reconhecer isso. Sabe, ele tem um pouco de razão. Nós moldamos nosso corpo de certa forma, para que ele seja capaz de fazer alguns passos. Não estou falando aqui de padrões de magreza extrema ou de figura esguia, não é isso. A questão é que se não fizermos tendu loucamente para fortalecer o pé, nunca subiremos na ponta. Se não alongarmos as pernas em exercícios dolorosos na barra, nunca conseguiremos um fuetté italiano ou um arabesque noventa graus. É preciso treino para que possamos realizarmos os movimentos do ballet clássico (que não são naturais), e esse treino molda nosso corpo sim. Eu vejo meus pés, por exemplo: estão ossudos, o formato deles mudou. Alguns sapatos não servem mais. Isso foi do ballet. Do mesmo jeito minhas costas, que estão bem mais fortes, mais bonitas até, mas foram moldadas ao longo de dois anos no ballet. E o molde tem também outro objetivo: tornar todos capazes de fazerem os mesmos movimentos. Tudo bem. Meu arabesque nunca será igual ao seu, são corpos de diferentes, mas todo esse treino, no fundo, tem sim um quê de universalização.

    E aí vem essa questão da mesmice. Não podemos negar. Eu amo ballet clássico, eu consigo me conectar à dança. Eu realmente acredito que é possível se expressar artisticamente através do ballet clássico. Em poucos momentos, acho que pude fazer isso. Mas sinto falta de mais disso. Sinto falta de sentir a alma dos bailarinos, de ver um pouco dessa diferença cultural que você está falando. O que diferencia uma bailarina da outra? O que diferencia uma bailarina de um país da de outro? (e não estou falando de escola ou técnica) Às vezes tenho a impressão de que o mundo do ballet clássico como é hoje abafa essas diferença, nos ensina a escondê-las. (Se minhas pernas são mais curtas, então eu abro mais o attitute derrierre porque assim ele fica mais parecido com o attitude da bailarina que tem pernas mais longas…) Mas talvez seja a hora de mostrá-la. E sinto que alguns bailarinos fazem isso. A montagem do Carlos Accosta que foi mencionada neses comentários é certamente um passo nessa direção. Bailarinos com características mais singulares estão aparecendo. Talvez esse seja o futuro do ballet clássico: se apropriar da diferença.

    Eu não sei, falei demais e talvez tenha falado bobagem. Mas é que essas coisas me inquietam a cabeça…

  4. Cássia, achei lindo o poder transformador dessa experiência da pesquisa das companhias, ainda não consegui ver o post da volta do mundo mas assim que tiver um pouco mas de tempo vou lá.
    Você viu a montagem do Dom Quixote do Royal do Carlos Acosta? Não é totalmente fora do padrão clássico, mas eu fiquei encantada pelos elementos que ele inseriu (palmas, gritos, bailarinos dançando em cima da mesa, ciganos com coreografia baseada em dança contemporânea…)
    Eu penso que um mero ‘copy-paste’ dos passos tem seu valor em escolas de dança, pros alunos conhecerem a coreografia original (como se fosse uma aula de história da dança), mas que as montagens das companhias precisam ter algo próprio, para manter a arte viva.
    Beijos!

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