E os livros nessa história?

Um dos pontos que mais me incomoda no ballet clássico é um certo desdém pelo estudo teórico. Dá-se um grande valor à oralidade, ou seja, os professores passarem seu conhecimento aos alunos. Mas os livros, coitados, não têm valor algum. Os “maestros” são os grandes detentores do saber.

Como eu vejo isso? Uma prova de que o ballet clássico parou no tempo.

Para que serve um professor: passar conhecimento ou mostrar caminhos? Para mim, é a segunda opção. Ninguém, por melhor que seja, sabe tudo. Nem Vaganova, nem Petipa, nem Nureyev, nem Pavlova sabiam. Cada qual tinha o seu quinhão de conhecimento e experiência. Isso os desmerece? De maneira alguma.

Mas no ballet, temos a ideia de que os professores sabem. Aliás, de que só eles sabem. Até eles acreditam nisso. Afinal, quantos de vocês passaram pela experiência de lerem livros indicados pelos seus professores? De discussões acerca da história do ballet clássico? De incentivo à pesquisa por sua conta e risco? Aposto que foram poucos.

Em sala de aula, como parte do estudo, eu nunca vi. Não vou negar, já tive aulas teóricas, mas a apostila custou mais caro do que qualquer livro que eu tenha comprado sobre o assunto. A minha estante de livros é dividida por temas. Há poucos livros de dança, apenas sete. Nenhum deles foi indicação de professor. Mas também entendo que isso faz parte da tal “cultura do ballet clássico” e essa ausência não é um motivo para desmerecer os professores.

Não acho que estudar a parte teórica e histórica da dança seja obrigação. Só acho que isso diferencia um bailarino de um reprodutor de passos. Querem um exemplo? O Marcelo Gomes. Na entrevista concedida ao Jô Soares (aqui) ele deu um banho de erudição. Ele conhece o seu ofício, ele sabe sobre dança. Ele não é um grande bailarino à toa.

E no caso de bailarinos amadores, como tantos de nós? O estudo teórico me ajuda a entender o que acontece em sala de aula. Eu recorro aos livros quando tenho grandes dúvidas. São eles que me situam na História. Quando eu faço aula, sei que o meu plié não é um simples plié. Ele surgiu há centenas de anos, em algum lugar, de alguma forma. Eu sou apenas consequência disso. Nenhuma bailarina,  em nenhum lugar do mundo está sozinha em sua barra fixa. Ela faz parte de um todo e só temos consciência disso quando estudamos para além das poucas horas práticas semanais.

Estou desmerecendo o professor? Não. Mas sei que cada professor tem o seu jeito. Ele é o resultado de sua experiência, de seu estudo, de seus anos de sapatilha. Para mim, aí reside a grande graça das aulas: quero aprender com ele, com esse conhecimento que foi construído até ali. Por isso é bacana ter aula com vários professores, porque a gente começa a entender como cada um deles funciona de uma maneira. A técnica clássica é a mesma para todos, mas a maneira como cada bailarino se apropria dessa técnica é absolutamente individual.

Sendo assim, cada um de nós constrói a sua própria história na dança. Isso parece óbvio, mas não é assim que somos instruídos. Mas acho absolutamente necessário que tenhamos consciência disso. Se não estudamos, esqueça. Seremos reprodutores de passos eternamente. Por isso, os livros de dança sempre terão um espaço primordial na minha vida. Não só, toda fonte de informação extraclasse que eu tiver, eu vou absorver. Não preciso que ninguém me incentive a fazer isso, porque essa lição eu já aprendi. Sozinha, mas aprendi.

*

“E você não vai nos indicar livros, Cássia?” Vou sim. Farei um post apenas sobre isso, podem ficar tranquilos.

10 comentários sobre “E os livros nessa história?

  1. AMEI o post ! estou me matando pra achar livros sobre ballet clássico em minha cidade e não consigo! Vou esperar ansiosamente pelas dicas!(se possível,algum livro que eu possa ler online,pois por aqui é a dança clássica não é muito valorizada ! :/ )
    Amo seu blog,parabéns !

  2. Estou esperando ansiosamente essas dicas.
    Já tinha reparado essa falta e realmente me incomodou. Estudei ballet em diferentes lugares com diferentes professores e nenhum valorizava essa prática. Mesmo no lugar em que eu “tinha” aulas teóricas tudo o que eu aprendi foi a escrever os nomes dos passos. Sempre corri atrás dessas coisas, mas os livros de dança são também muito difíceis de achar. O que me impressionou foi ver também que muitas das pessoas que faziam ballet comigo não se interessavam não só por procurar como também por assistir dança, cansei de chamar meus colegas pra assistir apresentações no municipal, competições de dança, mas nunca demonstravam muito interesse. Muitos não conheciam os repertórios mais famosos nem os compositores. Dá pra imaginar uma pessoa que faz ballet clássico a quatro anos não conhecer Tchaikovsky? Pois é, eu vi até isso. Na falta de livros, procurava ler o máximo de artigos que conseguia na internet, jornais relacionados a dança que eu pegava em lojas de artigo de ballet. Aprendi muito sobre música clássica também (veio incluso no pacote, rs) o que só fez aumentar essa paixão.
    Infelizmente, por um monte de motivos, tive que parar de dançar. Recentemente, na faculdade (faço letras) comecei um projeto de pesquisa sobre dança (na verdade, sobre a dança enquanto meio de expressão e suas interfaces com a literatura e outros tipos de arte, blá blá blá rs). Estou lendo, para essa pesquisa, o livro “Minha Vida” da Isadora Duncan. Não é bem sobre ballet, nem é bem sobre técnica. Mas inclui várias das impressões dela sobre a dança, sua filosofia. Na minha opinião, vale a pena. O problema é que é um livro esgotado, mas pode ser encontrado em sebos, eu comprei o meu pelo site da estante virtual.
    Ah, agora que estou estudando dança, teoricamente, minha vontade de voltar (que já era grande) está ainda maior. Cheguei a um estágio de desespero, rs. Preciso dançar novamente, a única diferença é que não quero mais só o ballet clássico, estou bem ansiosa pra começar a aprender contemporâneo e moderno também, mas pra quem passou dois – longos e tristes – anos parada, o que vier é lucro, desde que venha logo.

    PS: amei o seu blog, devo visitar bastante, rs.

  3. Muito bom o seu post Cássia! Por coincidência eu estava pensando nisso esses dias, e procurei na internet alguns livros sobre dança, mas são difíceis de encontrar! O que atrapalha bastante é a falta de referências, como os professores não indicam livros ficamos perdidos, sem saber se o livro que aparece na busca no Google é realmente bom, se merece ser lido.
    Um livro muito bom é o “Ballet Essencial”, encontrei na biblioteca de uma faculdade de Educação Física, infelizmente não é mais vendido, já saiu de circulação. No livro o o autor explica o porquê de cada exercício de barra, o porquê da ordem dos exercícios… um tanto técnico, mas muito bom, eu recomendo!
    Espero ansiosamente seu post com indicações de livros! =D

  4. É estranho que tão poucas pessoas pensem como você, sendo o ballet clássico uma arte tão difícil e que envolve tantos pontos. Duvido muito que um artista plástico ( dos bons) nunca tenha lido livro algum sobre a arte uqe tanto ama. Muita gente ainda acha que o ballet é algo irretocável.

  5. Linda a clareza com que expõe suas idéias, Cássia! Imaginava que fosse corriqueiro o instante em que durante as aulas o professor indicasse leituras complementares. Perde-se bastante com isso, afinal o leitor, no caso bailarinos e bailarinos, certamente trará para o grupo elementos importantes colhidos em sua leitura. Porque o ato de ler, no meu entender, é sempre um ato de osmose com o entorno do qual participamos. Sendo o ballet também uma linguagem de interpretação e integração de significados, sentidos e sensações nada melhor do que associar-se à leitura que, por sua vez, é também uma ação produtora de sentidos. Então, que as letras invadam o ballet!

  6. Cassia
    Adorei o seu artigo,concordo com tudo o que voce disse. Tive a sorte de ler varios livros indicados pelos meus professores.Alias,sempre dava aulas teoricas para as minhas alunas.Ensinei muito historia da danca.Penso que quem estuda sempre sai na frente.
    Alguns livros: Dancar a vida de Roger Garaudy
    Um instante na vida do outro de Maurice Bejart
    Ballet,arte tecnica e interpretacao de Dalal Achcar

  7. Verdade, toda verdade!
    Eu, há pouco tempo atrás, me interessei pelo ballet clássico, mas por ser impedido pelos meus pais de cursar as aulas de dança, me enfiei nos livros e na auto-dedicação.
    Já sei quando vou entrar numa escola: vou fazer testes para o Bolshoi no final do ano, mas, enquanto isso, me alongo e exercito – até treino coisas simples como as posições – com o livro na frente. É um volume muito grosso, enorme, com ilustrações detalhadas tantos nas fotos como nas descrições. Ele indica a melhor postura, os erros a serem corrigidos, como chegar ao limite do que pode ser proposto em casa.
    E tem me ajudado muito.
    Se não me engano – o que é raro – o livro se chama “Сутність балету”, da ucraniana Оля Евіленко; muito raro.

  8. ahahahhahahahahha adorei esse final! quando estava chegando no final do post eu comecei a pensar “poxa, ela não vai indicar alguns?” 😀

    Esta é uma crítica muito pertinente. Eu comecei a fazer aulas há duas semanas (\o/) do zero, nunca tinha feito. Durante 17 anos a minha vida foi estudo teórico, da escola à pós-graduação. E eu tenho percebido nessas primeiras aulas de ballet que tenho dificuldade para aprender os passos, as sequências, pq meu cérebro (talvez mais do que meu corpo, que está bem enferrujado…) precisa ver, entender, assimilar e reproduzir, o que demanda um tempo que eu não tenho entre a explicação do passo e a ação. Não sei qual é o caminho mais fácil: libertar o cérebro disso, ou usar os livros para “assimilar” o ballet de maneira mais fácil, mas acho que prefiro a segunda opção.
    Assim, vou aguardar o post dos livros com muuuuuuita curiosidade! Até mais 🙂

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